a persiana está estragada
oiço violinos subirem paredes acima
estou imóvel na cama
a fazer força para escutar
os tambores a triturarem, a mastigarem
os meus músculos a ouvirem, esticados,
o corpo todo como se fosse um ouvido
a persiana está estragada
o autocolismo não funciona
uso o balde que é muito mais
rupestre, e dá-me um conforto
primitivista e indolente
(a persiana está estragada)
escrevo riscos na parede
nas muralhas da cama
oiço a força de john adams
e não me importo nada
que as pessoas e os objectos
se estraguem
26.9.05
21.9.05
depois de darwin
na janela do meu quarto tenho uma companhia diferente e divertida. de noite, estou a ler, e deixo propositadamente a persiana meia e a luz acesa. a luz acesa atrai os insectos. e eles voam nessa "caixa", entre o vidro e a persiana. ora isso é uma armadilha predatória. porque nessa "caixa" também vai inteligentemente um réptil, um predador temível na escala dos insectos.
as traças tracejam voos desajeitados. a osga, ágil e de movimentos espertos, abocanha e engole o corpo dos animais e até parece que se ri quando a borboleta esbraceja a ser mastigada. e a sua barriguita anda gorda!
não sei porque é que as "pessoas" acham repugnante um animal como a osga. tem um sorriso fantástico. tem uns olhos de intelectual e umas luvas de cirurgião em cada pata. corre velozmente. é um predador, o que requer sempre mais inteligência. e tem um casaquinho de escamas sarapintadas. faz uma alegre matança de insectos para viver e eu gosto de a ver nos seus movimentos ondulatórios de corpo todo.
a minha osga partilha com as minhas flores o seu interesse pelos insectos. e não lhes fica atraz em beleza. é uma maravilha da evolução, filha de darwin, e eu gosto de a ver feliz com a barriguita quase a rebentar de cadáveres invertebrados.
12.9.05
praias vazias no fim do verão
ainda vou "tentar"
encontrar o sol e as falésias
o nevoeiro na praia
e os murmúrios do outono
as faixas geológicas
nas feridas das falésias
lembram-me a irrelevância
dos seres humanos
ainda vou "tentar"
encontrar uma sombra fresca
no ar húmido do mar bravo
e um nicho na rocha
onde tecer um covil de poemas
e me sinta seguro e calmo,
para ficar a olhar para o mar,
sem estar irrequieto e nervoso,
a olhá-lo assim de frente
olhos nos olhos mais uma vez
agora que o verão está crepuscular
e já deixei de esperar
que "alguém" chegue
com pés de areia
2.9.05
o "quarto dos meninos"
em tons amarelos e secos
as cortinas pesadas, monumentais,
as paredes eram azul desmaiado
de tabaco
e havia uma máquina de costura
enorme, coberta com um pano terra
que parecia um vulto assustador
fascinante, misterioso
a colcha era de desenhos estampados,
tecido liso e fino, era uma rede
de florzinhas estilizadas e pontinhos
passava horas de olhos abertos
imerso em terror e em espanto
olhando o tecto, as cortinas, o vulto,
imaginando coisas
e sonhando
passava horas de olhos abertos
a olhar em redor, fascinado,
no centro do mundo.
e hoje passo horas
a imaginar-me quando estava a imaginar
quando naquele "quarto dos meninos"
podia ser tudo porque imaginário
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