30.9.03

um dia talvez

26.9.03

o mar todo veio até aqui, espelhado em setembro, até mim, como legiões a desfilarem, com todos os troféus de guerra, despojos, escravos.

jangada

os ossos como se fossem pedras, a boiarem dentro do corpo, mergulhados no sangue, aquário de vida.
uma planície rasa de electrões, sentado numa cadeira de esplanada, de metal, sinto-me antena perante o electromagnetismo. silvos hertzianos, a sintonização do campo onírico, uma área plana e infinita, com

25.9.03

sextante

um rio de aço serpenteia entre as colinas. contornando os cumes, afundado nos vales, tentando desaguar na felicidade.

24.9.03

thanatos

um dia todos regressaremos ao grande mar.

21.9.03

depois da pele

uma biografia de juncos, o encéfalo a esvaziar-se, os joelhos do pensamento esfolados, uma casa porque.

falsos profetas

os gritos dos de lá de fora trepam para cima das paredes da esperança.

aparição

um cavalo a remos atravessa o templo do tempo. as ondas são de mármore líquido.

20.9.03

crime e castigo

pôr a minha imaginação a ferros dentro de uma anémona.

reflexão

o homem sempre olhou para cima. para o céu e nele pensou em deus. na tentativa desesperada de se livrar da terra, do chão, do húmus, que através do pó o puxa para baixo. somos matéria que se levantou do chão. lama que caminha pela terra... enfim, mas isto já não é nenhuma novidade.

bucólica

no campo, toda a gente sabe, tem que se tomar muito prozac. senão ainda se acaba pendurado pelo pescoço na puta da oliveira.

18.9.03

inocência

por vezes pergunto-me quem seriam os tão famosos nazis. não seriam os alemães, concerteza, porque uns obedeciam a ordens e os outros eram artistas.

12.9.03

comunicação

entre o que dizes e o que eu digo existe um animal vivo, uma torrente semântica entre duas bocas. que não pertence nem a mim nem a ti. que só existe quando estamos juntos mas que nenhum controla. desenvolve-se no tempo. vai por caminhos pedregosos, penhascos, e senta-se ao pé de grandes avenidas francesas, para ver passar a razão e a geometria. (...) entre o que dizes e o que eu digo há um animal vivo que é o discurso, que não tem rédeas em ninguém. é como se fosse outra pessoa. (...) sempre que abrimos a boca sai de lá um fantasma. tu estás aí mas eu não sei quem és tu.muito menos esta massa de palavras-organismo que se acumula entre nós.

...

o pôr do sol na praia, como um pai a bater num filho

tese

o martírio é sagrado, independentemente da causa.

paradoxo

porque é que os animais nocturnos são atraídos pela luz?

9.9.03

outros crustáceos

uma depressão de moluscos, uma falésia a desfalecer. o medo incrustrado nos crustáceos. nas cascas das árvores. na multidão de sombras que sussurram pinheiros. um vazio como a remoção cirúrgica de uma massa. o sangue coagulado. à espera. e o frio que atravessa os movimentos. o frio das cartilagens. os sulcos profundos nas falésias. como olheiras de uma noite mal dormida. o inchaço da fronte, que se desdobra em atenção à escrita. o sussurro doce de duas adolescentes que chilreiam baixinho sober rapazes, enquanto o mar enorme, por trás, se teratraliza.
já aconteceram muitas coisas neste sítio, aqui. coisas das quais perdi a memória. ou já não quero saber. ou nunca reparei. ou então ribeiros de charcos e marmotas. e eu amo estas pedras, este embaciar de lua, este esqueleto estiramento. eu amo estas ervas e o nome que não sei delas. e o sal em suspensão no ar e no mar. e o meu coração que se expande, que transvasa para o externo e para as costelas. como uma angina de peito. ontem pensei, seriamente, que ele ia parar. hoje debruço-me sobre a escrita, do parapeito da humidade atmosférica.
- não te embebedes outra vez- disse ela- senão amanhã tás o dia todo mal disposto.
sim, não me embebedo. vou ficar apenas aqui, com o meu cansaço e com o meu conforto. com o mar em frente. com o seu motor ondulatório a fazer o barulho constante. fico aqui sentado. na esplanada sobre a falésia. a brincar com as minhas gengivas. estes cedros são solenes. alinhados de encontro ao muro. uma gaivota piou na escuridão. tentando provavelmente sair do núcleo da noite. eu tou entregue à minha solidão. uma solidão calma, rasgada de espáduas. dormentes pelo esforço de acasalar. sim, não me embebedo, tou apenas a beberricar um sumo sozinho. numa esplanada nocturna, sonâmbula e vazia. rodeado pela minha amiga misantropia e pelas minhas muralhas. a contemplar da torre de menagem a grande noite... a noite de alguma ternura e vazio.

dedicação

sonhei que a minha namorada ficava sem um braço. e que eu arrancava o meu para substituir o dela.

5.9.03

o príncipe no bairro alto

toda a gente pensa que quando tem uma garrafa na mão tem uma arma. no entanto raros experimentam parti-la. ela "não" parte. é muito mais difícil partir o raio do vasilhame do que depois de partida enfiá-la na cara dos anormais.

4.9.03

nietzche e o xadrez:

- por vezes é imperioso espetar com o tabuleiro de mármore no cérebro do adversário quando este faz gambito.

3.9.03

ghetsmani

amanhã vou ser executado. os apóstolos dormem. não sei se sou mesmo deus ou não. mas acontecem mesmo estes milagres pelas minhas mãos fora. mas dai até ser mesmo deus não sei. tou inseguro. como é bela, grande, esta noite cheia de estrelas, com o suave calor da judeia. apetecia-me mesmo ir dormir. como os meus amigos. mas não consigo deixar de pensar no martírio. e se deus que sou eu não existe e não me salvo? não sei se seria apenas pelo exemplo como homem. isso não me chega. (...) a cruz erguer-se-á comigo espancado. e cada que passo que der com ela às costas será uma confirmação de tudo o que tenho pregado. estranha maneira de provar que sou quem sou. e se me faltam as forças para levar isto até ao fim? será que vou ter coragem?, mas que grande e viva abóboda celeste por cima de mim, que se agita com o vento das oliveiras. (...) amanhã já aqui não estou. será que vou vencer todo o sofirmento que me espera? será que venço mesmo a lei da morte como os profetas disseram? e se não for mesmo eu e for outro. tenho medo que me possa ter enganado. e seria apenas mais um com dons curativos. (...) amanhã ou tudo se confirma ou então serei abandonado e esquecido.

2.9.03

s. joão

atenção pequenada, o apocalipse está próximo

ressacar

de vez em quando tenho a cabeça tão estragada que parece que tou a cozê-la ao sol do tarrafal.

vox populi, vox dei

o povo e a merda são incontornáveis.

palestina

é o desespero absoluto que faz com que um homem exploda.

palimpsesto

apago furiosamente as letras dos meus livros. tento finalmente chegar ao que está por detrás do texto.

1.9.03

síndrome de estocolmo

... e por fim os judeus absorveram as melhores qualidades dos seus carrascos.

uma esfinge

mergulho a memória o mais longe que consigo. no obscuro nevoeiro do passado longínquo, nas recordações que se esfarelam à medida que mais para trás. desde as trevas da inconsciência... e ando ás voltas com esta questão, inexpugnável, simples e inexpugnável, questão: afinal, porque é que eu sou eu?...