23.8.06

(às vezes no fim só fica mesmo é a raiva).

jau meteu-se na praia da adraga. meteu-se lá dentro como quem quer ficar soterrado (subterrado, aterrado, enterrado, sepultado) pelo mar ou soterrado pelo peso ctónico tão enorme muito grande falésias. jau foi até à praia da ursa, desceu lá abaixo para nem-sabe-o-quê para apenas ar nas fuças, arejar as fossas nasais, apanhar sol no masséter, na praia da ursa há uma rocha muito grande mesmo enorme que tem lá um perfil que parece um boneco de uma ursa, embora a mim me pareça mais um coelhito, e essa rocha dá o nome à praia. a praia da ursa, pois então. jau foi passear ali ao pé do cabo espichel do lado trás daquela coisa que parecem umas estrebarias dos lados com um palheiro em forma de igreja no centro, ali por trás desse século dezassete ou dezoito, acho eu, ali junto das falésias, ali mesmo, onde há uma certa tradição de suicídio, pode ser que alguém se atirasse lá para baixo e isso lhe fizesse esquecer a leonor enquanto o corpo ia caindo bocados cão atirado aos bocados a desfazer-se escarpas abaixo. e as escumas lá em baixo a baterem escumalha nas escarpas. e escunas a passarem com as pantalonas desfraldadas.
jau estava portanto em sines, na praia ao pé das centrais térmicas, a ver a água a revolucionar-se como se fosse outubro na rússia, e os tendões do mar contorciam-se e o esforço do mar era hérnias, no mar estava em peniche a ver o mar, em frente ao mar tinha acabado de passar as salinas de aveiro, ali para os lados de faro, e por isso estava a ver o mar de lisboa,
e assim em frente ao mar jau mascava uns pensamentos, vamos pôr-lhe uma sonda no crânio e ouvir-lhe os cognitivos (não sou um narrador omnisciente, ainda não, continuo a estudar isso é certo, mas por agora preciso da sonda). jau pensa os seus cognitivos como quem assa os seus raciocinados, assim como se quisesse impressionar com os seus próprios pensamentos, como se quisesse estetizar a sua dor e dar-lhe, por meio de uma lambidela filosófica, torná-la portanto digna e universal:
-"ficarmos amigos", disse ela, "olha jau, podemos sempre ficar amigos", isso não faz sentido nenhum eu não quero ser amigo dela, nem de ninguém. eu não consigo ficar teu amigo com esse cabresto ao teu lado. isso não faz sentido nenhum que eu não quero ser amigo de ninguém. metes-me raiva leonor. odeio-te. já te amei mas agora só te odeio. não consigo esquecer o que me fizeste. não. não podemos ficar amigos. isso de ficar amigos é o quê? é só conversa para despachar. pensas que eu sou parvo ou quê? "podemos ficar amigos": estás a querer enganar quem? isso é só conversa para me sossegar, mas eu não vou sossegar. deves estar a fingir com essa do "ficarmos amigos" que eu caio nessa. ah, eu não aceito isso leonor, amei-te tanto. ainda te amo. mas estou tão desgostado, parece que me arrancaram um bocado de mim de dentro do corpo, amei-te tanto, será que não percebes? amo-te tanto "ficar amigos" que raiva, que nojo, que ódio. eu não aceito que as coisas fiquem assim. amei-te tanto, amo-te tanto, merda, merda, merda, será que ela não percebe? "ficar amigos..." olha-me o desplante desta gaja "jau, podemos ficar amigos" pois para ela é fácil é ela que me pôs a andar. manda-me passear, manda-me à merda e diz com a sua simpatiazinha "podemos ficar amigos".
(às vezes no fim só fica mesmo é a raiva).

6.8.06

jau/leonor

(jau/leonor)
- porque é que não tentamos outra vez?
- porque não ia dar certo.
- como é que sabes que não ia dar certo?
- já falámos nisto um milhão de vezes jau. não vai dar certo.
- se não tentarmos é que não podemos saber se vai dar certo ou não. porquê? porque é que és tão negativa? podias fazer um esforço por acreditar.
- as coisas não são assim como tu queres, as coisas não são carregar num botão e está feito. sabes perfeitamente que não vai ser possível tentarmos. já tentámos muitas vezes.
- podias acreditar...
- não não posso, não se pode investir numa coisa que não acredito à partida. para que é que vou apostar num cavalo que morreu?, não faz sentido nenhum, pois não, jau?
- não faz sentido porque não queres que faça sentido, porque te recusas a acreditar, podias fazer um esforço para acreditar.
- mas eu não acredito. contra isso não posso inventar sentimentos ou posso?
- mas é por não quereres. sabes perfeitamente que querer é poder,
- ah, não me venhas com clichés, mas porque raio é que queres fazer tudo mais difícil. sabes perfeitamente que eu não consigo tar mais contigo.
- mas isso é porque existe essa pessoa que tu insistes em dizer que gostas.
- não ponhas as coisas nesses termos
- então ponho como.
- estou cansada jau. gostava que ficássemos amigos, não te tenho nada contra ti. só quero viver a minha vida.
- amigos?!
- mas porque é que tens de fazer tudo mais difícil? porque é que contigo é sempre tudo assim? porque é que não me deixas ir em paz à minha vida? já conversámos sobre isto. não me podes obrigar a gostar de ti.
- podia dar certo outra vez, sabes perfeitamente.
- ah, lá tás tu com os teus "perfeitamente" tão irritantes. tenho mesmo que te responder que sabes per-fei-ta-men-te que não dá, acabou!, morreu!, parte para outra, get a life!, pára de me massacrares!
- deves pensar que as pessoas são todas como tu!, para ti é fácil, trocas-me como se fosses à loja trocar de roupa!
- ah, não comeces com golpes sujos a ver se eu tenho pena de ti. olha, não tenho peninha nenhuma de ti ouviste?, tivesses pensado em me tratar bem este tempo.
- ah eu não te tratava bem? eras quê?, uma mulher da violência doméstica não?
- não sejas parvo, não mudes de assunto,
- eu é que ´tou a mudar de assunto?
- opá eu mais uma vez vim falar contigo para ver se podíamos acabar numa boa. podíamos ficar amigos e tu não deixas.
- olha é fácil isso do "ficar amigos"? achas que para mim é fácil? acabas comigo e achas que podemos "ficar amigos"??? se quisesses podias acreditar. sabes lindamente que podias acreditar, é uma questão de querer.
- pronto, voltamos ao mesmo...
- porque é que tens essa atitude? aí a encolheres os ombros com desprezo para mim?
- bem, esta discussão não vai levar a lado nenhum. vou-me embora.
- não. não vás.
- larga-me o braço jau.
- dá-me uma oportunidade.
- larga-me o braço se fazes favor.
- fomos tão felizes, porque é que me estás a fazer isto?
- estás-me a magoar jau, se fazes o favor largas-me.
- porque é que não tentamos outra vez?
- DEIXA-ME!!- grita leonor com um sacão do braço libertando-se da ventosa jaussiana. leonor vira-lhe as costas e vai-se embora. jau que fingia ainda acreditar que seria possível a leonor reconquistada. deixa cair o rosto ao chão em desespero. mostra no desalento o seu verdadeiro estado de espírito em relação à miúda: um semblante devastado, a derrota. mais uma vez a derrota com as mulheres.
- granda melão- diria um cueca-napoleão se o visse agora. ainda bem que jau estava sozinho (na rua, em casa, no cinema, na esplanada, ou noutros sítios) senão ia ficar muita chateadão de lhe verem perder de sua amada a mão.