
a lareira arde na escuridão
espalha sombras pelo tecto
e suja as paredes com agitação,
já houve alturas
em que o fogo tinha uma alma
agora nele só há química,
ligações covalentes que se partem,
a energia que é liberada,
a fluidez gasosa das chamas
a termodinâmica da temperatura,
e a radiação que fica vermelhando
heraclito,
também pensava no fogo
e nesse seu pensar
existia um mundo em devir
prometeu,
como o amigável satã,
ama o fogo e o conhecimento
contra o fascismo de deus
cristo,
talvez fosse melhor cristo,
ter sido incenerado
escusávamos de ter hoje seitas
que adoram um cadáver
as cinzas,
devem ser inertes, minerais,
a parte mais inanimada
do fogo que se evapora
o fogo faz parte
do ciclo do carbono
do qual também nós fazemos parte)
e é essa
a sua última poesia
quando me sento em frente ao fogo
sento-me em frente de uma pessoa
que está como eu
nero em combustão
um sonho
com o cérebro combustível
(sonâmbulo incêndio)
um sonho desde
o núcleo do carbono
até ao fim do fumo
um sonho desses
é o que eu mais desejo
