9.9.03

outros crustáceos

uma depressão de moluscos, uma falésia a desfalecer. o medo incrustrado nos crustáceos. nas cascas das árvores. na multidão de sombras que sussurram pinheiros. um vazio como a remoção cirúrgica de uma massa. o sangue coagulado. à espera. e o frio que atravessa os movimentos. o frio das cartilagens. os sulcos profundos nas falésias. como olheiras de uma noite mal dormida. o inchaço da fronte, que se desdobra em atenção à escrita. o sussurro doce de duas adolescentes que chilreiam baixinho sober rapazes, enquanto o mar enorme, por trás, se teratraliza.
já aconteceram muitas coisas neste sítio, aqui. coisas das quais perdi a memória. ou já não quero saber. ou nunca reparei. ou então ribeiros de charcos e marmotas. e eu amo estas pedras, este embaciar de lua, este esqueleto estiramento. eu amo estas ervas e o nome que não sei delas. e o sal em suspensão no ar e no mar. e o meu coração que se expande, que transvasa para o externo e para as costelas. como uma angina de peito. ontem pensei, seriamente, que ele ia parar. hoje debruço-me sobre a escrita, do parapeito da humidade atmosférica.
- não te embebedes outra vez- disse ela- senão amanhã tás o dia todo mal disposto.
sim, não me embebedo. vou ficar apenas aqui, com o meu cansaço e com o meu conforto. com o mar em frente. com o seu motor ondulatório a fazer o barulho constante. fico aqui sentado. na esplanada sobre a falésia. a brincar com as minhas gengivas. estes cedros são solenes. alinhados de encontro ao muro. uma gaivota piou na escuridão. tentando provavelmente sair do núcleo da noite. eu tou entregue à minha solidão. uma solidão calma, rasgada de espáduas. dormentes pelo esforço de acasalar. sim, não me embebedo, tou apenas a beberricar um sumo sozinho. numa esplanada nocturna, sonâmbula e vazia. rodeado pela minha amiga misantropia e pelas minhas muralhas. a contemplar da torre de menagem a grande noite... a noite de alguma ternura e vazio.

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