
durante muitos anos
(agora já não)
quis morrer
e passava longas horas
pelos parques perdido
a contemplar as flores
à espera que elas me matassem
a beleza dos parques, das flores,
dsa mulheres (que como toda a gente
sabe são uma espécie de flores)
fazia-me sofrer a beleza
a inalcansabilidade
dessas coisas
durante muitos anos
(agora já não)
quis morrer
e passava largas horas pelos
parques perdido
uma vez descia a alameda
em monserrate, nunca lá tinha ido
antes (estava sempre a tentar ir
a sítios novos para me salvar),
e senti-me tão bem, tão bem,
senti-me maternalmente
protegido, a luz era incrível,
as plantas estavam tão vivas
tão verdes e "falavam" comigo
senti uma sensação tão forte
e tão reconfortante, tão de sonho,
que pensei que era algo
de outra vida a chegar até mim
hoje lembrei-me disso
e descobri pela memória
porque assim me senti:
eu tinha quatro cinco anos
descia a alameda entre os
meus adorados avós
com os olhos a um metro
do chão
e em frente, no meio das flores
e das magníficas árvores,
suspenso na luz filtrada pelas
redes de ramos e folhas,
surge um palácio mourisco
com janelas de fantasia
sim, tenho tido também
alguns dias felizes
talvez muitos, nem sei bem
e não acho nada
que a infelicidade
tenha, necessariamente,
alguma poesia
lá dentro
