31.10.03

zigurate

oiço vozes que insistem em chamar-me radiactivos carbono catorze. os mortos têm inveja de mim. querem que eu volte à matéria inanimada de onde saí. à matéria inanimada e imóvel. e tá-me tanto a apetecer beber uns copos para esquecer esta realidade.

30.10.03

ipsílon

hoje vi o ipsílon a pedir na estação. já foi o que se pode chamar, mais ou menos, um amigo. enfim, de copos e de boémia... é impressionante como a doença psíquica pode vir a afectar qualquer um de nós. podia ser eu no lugar dele. no entanto evitei-o e não lhe falei.

29.10.03

percorremos as pequenas avenidas, com arbustos pequenos, que geometrizam a natureza. e aquilo deu-nos um fôlego extra para pensar. a natureza tinha sido encaixotada num régua e esquadro. e assim é que estava bem, corrigida e racionalizada. porque a natureza finge que não quer seguir as leis da matemática, e deve ser forçada a isso como uma criança renitente.

25.10.03

pupila

por entre olhos e flores, a catástrofe a olhar o rosto de outra catástrofre.

21.10.03

tundra

a imaginação congelada. e uma ferida a coagular.

16.10.03

adriana

sublinhei os teus passos com os meus passos. era a areia e eu fazia um exercício de focalização em pôr os meus pés exactamente na areia onde os teus pés acabaram de fazer uma marca. e, concentrado em seguir-te, esqueci-me de mim. e senti que, por breves instantes, com um atraso de décimas de segundos, eu habitava o teu espaço. e o teu espaço eram conchas que faziam um barulho crocante ao serem pisadas. e havia o barulho ondulatório do mar. com ecos domesticados de tempestade. e um crepúsculo de tangerina, espalhado pelas auto-estradas de cirros e por cima das nossas cabeças.

14.10.03

perguntei ao desespero porque é que a vida tinha que ser assim. ele respondeu-me que existe uma alavanca no centro do planeta que pode accionar tudo.
as árvores, de certa maneira e do meu ponto focal, já fazem parte do céu.

8.10.03

solidão e silêncio

é a altura que toca a rebate a solidão e o silêncio

7.10.03

mitologia

em vez da cabeça uma pirâmide.

6.10.03

dorso

o mar de noite revela que é um animal.

aniversário

desnovelo a estrada de carro. confortável. depois do aniversário da minha irmã. através do penedo, do pé da serra, por entre quintas adormecidas, carvalhos, canaviais, constelações e árvores-sombra.
as estradas vazias. a tranquilidade. a afectividade. a amizade. os muros. as curvas. os altos e baixos. a plenitude.

4.10.03

uma floresta quer levantar-se no centro do teu deserto.

eros

uma doença tão bela como uma flor

transubstanciação

ando ultimamente a ser habitado por outras pessoas. e agora tenho a cabeça pesada. tão pesada como se o coração fosse parar. ou como se a força de gravidade tivesse aumentado o tamanho das pedras.

2.10.03

verdade e floresta

puz-me a caminho, e passados três dias cheguei dois dias depois.

1.10.03

o meu coração é um animal que escoicinha. e com as suas patas põe pegadas na pleura.
tenho um coração grande. do tamanho de um estômago. pendurado numa catedral de ossos.