31.10.08

as paisagens solenes



canteiro com flores da retórica
céu de calcário, mesa de mármore
hélice aprisionada numa grade

o sapal das doenças
a floresta das bactérias
mão de radiografia a acenar

talvez seja possível não sofrer
pássaro de pedra, vôo profundo
a estátua derrubada de um mito
um jogo de ossos humanos
um carreiro com ervas e lua
sonhos de morte e decomposição
a taxa de suicídio deste ano
instalações portuárias, balança comercial
os valores acumulados da precipitação
o número de crianças subterrâneas
as vezes que o sol já nasceu

carcassa de noite com costelas
andar de um lado para o outro
talvez seja possível não sofrer
o fogo é um fósforo a arder

14.10.08

a insónia enquanto obra de arte


acender uma vela
só para queimar tempo
o labirinto mete-se para dentro
aranha a morder o cimento das paredes
sonhar com uma noite bem dormida

grandes tijolos de agitação
vertigem com contornos confusos
obstáculos feitos de penumbra
estilhaços mentais, destroços mentais
agitação no escuro, sofrimento no claro

um dia incompreensível
jardim com arame farpado
ruídos, escavadora, cães
as metástases do barulho
flores conceptuais, pólen mecânico
degraus perplexos, passos perplexos
aviões sobrevoam-nos constantemente

estátua neurótica, mármore acordado
luz, e ruas, e realidade
oráculo atulhado de pedras
o dia é ser betonado vivo

5.10.08

naufrágio próprio




a geometria entre as pessoas
esta sombra já é de ontem
o cérebro líquido da electricidade

emoções ferrosas, a terra intensa
não ter paciência para nada
os afluentes do álcool na cabeça
a constipação dos pensamentos

o sol está a pôr ovos
cicatrizes na pele da mesa
os telhados suspiram, doentes de morte
a resistência dos materiais

gritos microscópicos, serpentes,
animal com farpas no dorso
uma caixa cheia de sal
pomares com fruta e venenos
uma pessoa a debater-se

uma praia em convalescência
um canto totalmente ao calhas
bolbos, fungos, erupções,
silêncio com toneladas de água

e eu a afogar-me ao longe