26.8.07

a praia da adraga e eu

como eu,
o mar está fratricida...
(o mar é um homem revoltado)
entre a bruma de outubro
e as rochas batidas pelo sal,

a luz prateada e ofuscante,
a maré esvaziada de vontade,
e os penhascos em volta
espetam a barriga do vento,
a maré vazia cheira intensamente:
cheira a hiperbóreas regiões

o mar sorri-me aos trambolhões
como se estivesse bêbado e neurótico
a esmagar a cabeça contra a parede

e eu sou um animal revoltadonuma jaula
(firo-me nas grades ao arriscar sair)
mas se me quiseres ajudar,
podes ter a certeza:mato-te.

a aurora e a ressaca

os pássaros piavam percutindo na cabeça
os pássaros piavam, como se árvores fossem
excrescências; excrescências vivas a chiarem
pássaros percutindo e os troncos dentro
os troncos dentro e o sol atrás das casas

a aurora era um monstro deficiente
como se os cotovelos das árvores desatinassem
desatassem a piar, e os joelhos das aves
piavam bicadas na sua cabeça
e os pássaros subiam para cima do sol
como ratazanas

a aurora levantava-se e isso humilhava-o,
como se fossem pássaros, como se cotovelos,
como se as árvores excêntricas e o caule,
eram aves-árvores e o dia a levantar-se,
trepando casas, para cima das casas:
o céu do horizonte recortando-se nos telhados
e os telhados a piarem ódio e sol

e os pássaros subiam para cima do sol
como ratazanas em cima do céu
a aurora levantava-se, a cabeça
como uma noite no horizonte,
e o astro-rei começava aos gritos
desnorteado.







nota: estes dois poemas são de 2005, para um livro que não cheguei a escrever. Ir-se-ia chamar "ciclo do carbono".
Rafael Dionísio.