11.12.05

explicação do fogo



a lareira arde na escuridão
espalha sombras pelo tecto
e suja as paredes com agitação,

já houve alturas
em que o fogo tinha uma alma
agora nele só há química,
ligações covalentes que se partem,
a energia que é liberada,
a fluidez gasosa das chamas
a termodinâmica da temperatura,
e a radiação que fica vermelhando

heraclito,
também pensava no fogo
e nesse seu pensar
existia um mundo em devir

prometeu,
como o amigável satã,
ama o fogo e o conhecimento
contra o fascismo de deus

cristo,
talvez fosse melhor cristo,
ter sido incenerado
escusávamos de ter hoje seitas
que adoram um cadáver

as cinzas,
devem ser inertes, minerais,
a parte mais inanimada
do fogo que se evapora

o fogo faz parte
do ciclo do carbono
do qual também nós fazemos parte)
e é essa
a sua última poesia

quando me sento em frente ao fogo
sento-me em frente de uma pessoa
que está como eu
nero em combustão

um sonho
com o cérebro combustível
(sonâmbulo incêndio)
um sonho desde
o núcleo do carbono
até ao fim do fumo

um sonho desses
é o que eu mais desejo

4.12.05

no centro do sangue

no centro do sangue
acontecem algumas coisas

e os sentimentos dilatam
as paredes musculosas
da parede vascular

(acelero o carro
pela estrada de árvores
as luzes das viaturas passam
como se penduradas no ar velocidade)

no centro do cérebro
lá dentro no profundo
acontecem coisas
que mais tarde ou mais cedo
vão ter de ser ditas

(espero
como se estendesse uma armadilha?)

no centro do sangue
surge um segredo mais forte
que frutifica e fertiliza
todo um coração que se expande

(um dia destes digo-lhe)