31.7.03

a matéria transitoriamente viva

um palhaço a quem partiram as pernas, atirado para dentro de um contentor do lixo.
bacias hidrográficas, com rios de linfa e geologia de plástico.
cadáveres célebres murmuram por entre folhagens simbolistas.
dizes que gostas de me ver dormir. que pareço um bebé de grandes pestanas. agradeço sinceramente o teu amor por mim. não sei se é repugnante a palavra agradeço, neste contexto. espero que não, não era essa a ideia.
de qualquer das ideias espero que nunca descubras o quão doentio e perverso eu posso ser.
amo-te.

30.7.03

depois do parêntesis

(uma cabeça de triciclos, um profeta moribundo, uma ilha com magnésio, a barriga de um veleiro, esta esterilidade formalista, a fala congela em cubos, como um desarranjo na tiróide, as palmeiras vazias, a desistência a dar à praia como náufragos, os olhos inexpressivos dos peixes, regatos em escarpas, com árvores espetadas em falésias):
eu tinha uma namorada, estava com outros adolescentes no café. estava a sentir-me socialmente inquieto, uma negra disposição por dentro da alegria esforçada. fui à casa de banho. fechei os olhos, e a ponta da faca entrou na carne nas costas da mão esquerda. quando rompe a resistência da pele, e desliza nos flocos de carne. apesar da pouca profundidade.
senti-me aliviado. voltei à mesa. e escondi a mão esquerda. um fiozinho de sangue pingava através dos dedos. tudo corria pelo melhor. e a minha namorada estava feliz comigo e com os seus amigos no café.

sismo

fechei a luz eram sete da manhã. a porcaria dos passarinhos já andavam a cantarolar por cima das árvores, o sol levantava-se gigante entre as casas, anunciando um dia debaixo do seu enorme poder radioactivo. às seis e meia houve um sismo. eu não sei se o senti ou não. tenho a impressão que sim mas só depois de saber que houve um sismo é que achei que tinha sentido um sismo. efeito placebo?, de qualquer das maneiras tava cheio de sono, como sempre e como agora,
e a cabeça pendia pelo pescoço, quase a decapitar-se sozinha nos ombros.

29.7.03

meia noite e meia

meia noite e meia, um frio estepe desce verticalmente por sobre a espiral dos pensamentos, uma escada em espiral, uma torre de menagem, subir como se fossemos a um sótão, a um sítio mágico, a infância dentro de um báu,
atrás dos olhos, uma cortina de sensações falsas, uma película entre o fim do globo ocular e os pensamentos, uma cefaleia, uma perda de altitude, uma apenas saturação de imagens, entre a ficha do nervo óptico e o cansaço epssoal. cabeça pesada. bebi um café porque queria vir para o pé de ti. tou demasiado cheio. até de esperanças. tenho vomitado de vez em quando. demasiado cheio. até demasiado cheio de esperanças.
quero falar contigo, mas como?
a noite da estação de serviço, o vento fresco no tórax, um quarto escuro por trás dos olhos, a poesia toda ali na estante, um ritual indígena, algures no espaço do ar e todo o resto do mundo. um diagrama de insectos. uma cozinha multifuncional, moderna. um capacete nazi a enferrujar. com plantas dentro, fazendo um vaso. as minhas plantas olham pelas janelas lá para fora. ao mesmo tempo o ecossistema, protozoários atrás das orelhas, uma comichão,
a inquietação bebendo o aço é atroz, disseram-me sobre uim verso meu, como é que as pessoas se podem lembrar. seja do que for. quando olhei para cima, ao sair de casa, fiquei encadeado com um holofote solar, branco e cálido, e depois, com dificuldade, comecei a ver os traços das linhas telefónicas, e comecei a pensar que estavamos debaixo de uma rede de pesca, uma membrana de vozes, um ninho onde debaixo da terra as pessoas se criam embriões, três morcegos em forma de pêra, o cosmodromium, o jardim dos arcanos maiores, a previsão do futuro, talvez fosse altura de começar a aprender a lutar, talvezaindanão seja totalmente tarde, talvez ainda se possa,
um círculo na parede, anotações várias, instrumentos musicais espalhados entre as transformações das ideias e o sono, o cansaço vário, multicolor,

28.7.03

segunda cozinhando o cérebro

segunda cozinhando o cérebro dentro da cabeça, a música tá muito alta
- porque não baixá-la
e será possível? e será possível baixá-la.
as ideias fervem dentro da cabeça. eu vivo mais de noite do que de dia. tenho uma osga de estimação. não está num terráreo, está no quarto ao lado, tem um quarto só para ela. uma osga afinal é um lagarto lindo, as pessoas têm medo JA SE VIU QUE OS DINAUSSAURIUS, as pessoas têm medo, mas por vezes não há que ter medo,
ontem tive uma experiência de abducção. abduzi uma rapariga pequenina, relativamente estrábica, que estava num sofá grande sem costas, no meio de alguém que estava no sonho,
tratava-se de um romance, de um grande romanca, um romance já imaginado através da rede, mas não pensava que ela fosse assim, tão pequenina, tão frágil, e isso deu-me uma ternura muito grande, aquela posição clássica que enternece os homens: A PROTECÇÃO, quando a conheci, havia mais gente, como se ela tivesse chegado com uma turma. eram irritantes. doia-me a cabeça. estava a trabalhar num livro, espantado em frente ao computador. teve que haver violência. quando sonho com o cérebro empapado em alcóol há sempre violência.
e depois
a osga movimenta-se numa grande economia de esforço, rodando todo o seu corpo enquanto puxa a pata para a frente, e ao puxar a pata para a frente é a VELOCIDADE
e depois foi a ternura, tudo o que um porco pode querer e nunca disse, apenas a ternura de namorar, e já nem digo sexo, apenas aquela abducção extraterrestre de lhe pegar por debaixo dos braços e sentir uma grnade segurança, porque ela vai dizer sim
mas antes foi preciso alguma violência, eram plataformas de escolhos, caras queimadas em quadros, pessoas conhecidas sentadas dentro do seu vértice ou precipício, alguma massa humana, alguma massa humana sem dúvida, saracoteava-se por grandes compartimentos quadrangulares e de metal, mas isso era quando ela não estava lá
era uma casa infinita
segunda cozinhando o cérebro, espremendo-o para tentar exaurir, EXAURIR OUVIRAM?!, tudo o que aconteceu ontem
eu prefiro estar a domir do que acordado. não acredito nada na vida real. e prefiro sonhar. mesmo quando sou apunhalado também posso voar, mesmo quando não encontro os sapatos também posso ser transparente.
e ela era linda, pequenina, com os olhos tortos que lhe dava um ar por de quem eu poderia morrer. e não estava à espera ao princípio, porque sim, já tínhamos trocado correspondência, mas depois de a encontrar creio que tive algum retraimento, mas quando a puxei do sofá, quando a abduzi, senti que ela tava tão feliz, com a sua ternura concentrada, como um buraco negro, com uma densidade de amor demasiado cósmica para eu não sorris cintilando estrelas nos dentes
a única coisa que interessa é o enamoramento e namorar, e o resto, traições, amputações, pátrias, caminhos ritzomáticos, é tudo um pano de fundo para disfarçar
que belo namoro que comecei ontem, tou tão feliz...